Ventos e Tribunais
Mateus Rossetti de Almeida
Assessor Jurídico-Legislativo
Advogado
@mtsrossetti
“O vento sopra onde quer, você escuta o seu som, mas não sabe de onde vem, nem para onde vai (...)”
João 3:8
Mas você sabe que ele sopra.
Ele sopra, e sopra para todos os lados. Direita, esquerda...
Nós, por nossa essência humana, nossa essência primordial, tendemos a comemorar quando bons ventos sopram para nosso lado.
Ainda, tendemos a reclamar quando os ventos divergem de nossos desígnios.
É natural, é humano.
E em Brasília...
Em Brasília, nesta semana, os ventos que emergem e partem para todos os lados ameaçaram cessar. Ao cessar, será o fim de nosso Estado Democrático de Direito.
Não alegarei que sopraram da ou para esquerda ou direita, pois logo ambas tornar-se-ão irrelevantes.
Apenas saibam: comemorações ocorreram.
“Como assim?” Você deve estar se perguntando. E respondo: mais uma vez, um certo Tribunal decidiu legislar. Ou melhor, ameaçou legislar. Normal atualmente, certo? Sim, até certo ponto se tornou normal. Mas desta vez não, não é normal. Não pode ser considerado normal. É inadmissível que seja considerado assim.
Não é normal, pois desta vez o tema não é qualquer um. O tema é aquele que atinge nossa população de forma mais grave. Atinge o povo em seu âmago.
Sim, a Suprema Corte decidiu legislar sobre aborto. Decidiu deixar um “legado”.
Ao decidir assim, ao se posicionar em tal sentido, perdeu qualquer resquício de vergonha em usurpar o poder do Legislativo. Decidiu aniquilar de vez as estruturas de nosso Estado, já em ruínas.
E decidiu acabar com o ínfimo respeito que a população ainda detinha pela instituição.
Pois bem.
O que falar?
Nada. Não há mais o que falar, tudo já foi falado e ignorado.
Agora, nos resta torcer para que os ventos continuem a soprar.
Resta-nos torcer para que aqueles que ainda detêm algum Poder, alguma vergonha na cara, se manifestem.
Sim pois, se nada ocorrer, não haverá esperança. Essa é a realidade.
Infelizmente, é nossa realidade.
Outro aspecto da realidade é que em 1988, no nascer de nossa Constituição, nossa liberdade, bem como nossa representatividade, foi jurada de morte.
Nossa Constituição, aos olhos de muitos, era linda. A Constituição cidadã, diziam. E dizem. Porém, a estrutura proposta desembocaria, assim como desembocou, no limiar de uma ditadura.
A estrutura proposta aos Poderes, por nossa Constituição, é ruim. É desequilibrada. Não existem freios e contrapesos reais.
A estrutura é ruim. É ruim e perdura de 1988 até os dias correntes, e piora cada vez mais.
Vamos torcer para que, mesmo péssima, nossa Lei Maior não seja permanentemente enterrada.
Não podemos esquecer: os ventos sopram, até não soprarem mais.