Entre o Poder e a Lei
Data de publicação: 14 de setembro de 2023

Ventos e Tribunais

Mateus Rossetti de Almeida

Assessor Jurídico-Legislativo

Advogado

@mtsrossetti


“O vento sopra onde quer, você escuta o seu som, mas não sabe de onde vem, nem para onde vai (...)”

João 3:8


Mas você sabe que ele sopra. 


Ele sopra, e sopra para todos os lados. Direita, esquerda...


Nós, por nossa essência humana, nossa essência primordial, tendemos a comemorar quando bons ventos sopram para nosso lado.


Ainda, tendemos a reclamar quando os ventos divergem de nossos desígnios. 


É natural, é humano.


E em Brasília...


Em Brasília, nesta semana, os ventos que emergem e partem para todos os lados ameaçaram cessar. Ao cessar, será o fim de nosso Estado Democrático de Direito.


Não alegarei que sopraram da ou para esquerda ou direita, pois logo ambas tornar-se-ão irrelevantes.


Apenas saibam: comemorações ocorreram.


“Como assim?” Você deve estar se perguntando. E respondo: mais uma vez, um certo Tribunal decidiu legislar. Ou melhor, ameaçou legislar. Normal atualmente, certo? Sim, até certo ponto se tornou normal. Mas desta vez não, não é normal. Não pode ser considerado normal. É inadmissível que seja considerado assim.


Não é normal, pois desta vez o tema não é qualquer um. O tema é aquele que atinge nossa população de forma mais grave. Atinge o povo em seu âmago.


Sim, a Suprema Corte decidiu legislar sobre aborto. Decidiu deixar um “legado”.


Ao decidir assim, ao se posicionar em tal sentido, perdeu qualquer resquício de vergonha em usurpar o poder do Legislativo. Decidiu aniquilar de vez as estruturas de nosso Estado, já em ruínas. 


E decidiu acabar com o ínfimo respeito que a população ainda detinha pela instituição.


Pois bem. 


O que falar?


Nada. Não há mais o que falar, tudo já foi falado e ignorado.


Agora, nos resta torcer para que os ventos continuem a soprar.


Resta-nos torcer para que aqueles que ainda detêm algum Poder, alguma vergonha na cara, se manifestem.


Sim pois, se nada ocorrer, não haverá esperança. Essa é a realidade.


Infelizmente, é nossa realidade.


Outro aspecto da realidade é que em 1988, no nascer de nossa Constituição, nossa liberdade, bem como nossa representatividade, foi jurada de morte.


Nossa Constituição, aos olhos de muitos, era linda. A Constituição cidadã, diziam. E dizem. Porém, a estrutura proposta desembocaria, assim como desembocou, no limiar de uma ditadura.


A estrutura proposta aos Poderes, por nossa Constituição, é ruim. É desequilibrada. Não existem freios e contrapesos reais.


A estrutura é ruim. É ruim e perdura de 1988 até os dias correntes, e piora cada vez mais. 


Vamos torcer para que, mesmo péssima, nossa Lei Maior não seja permanentemente enterrada.


Não podemos esquecer: os ventos sopram, até não soprarem mais.