Um Salto de Fé
Brasília, 9 de novembro de 2023.
A nação brasileira caminha a passos largos em direção a um salto de fé - mais um, diga-se de passagem.
Primeiramente, uma breve e grosseira explicação: na filosofia de Kierkegaard, um salto de fé representa a passagem do estado ético para o religioso, um “salto no escuro”, uma vez que tal movimento, em tese, não apresenta garantias ancoradas na razão. É o cético passando a crer, sem bases lógicas.
Uma ação subjetiva desguarnecida de razão aparente.
E será exatamente isso que performaremos: um salto Kierkegaardiano. O salto?
A reforma tributária.
Este será o salto da vez.
Infelizmente, mais um salto na escuridão realizado pelo “País do Futuro”.
Ao que tudo indica, saltaremos em um abismo nevoento, abismo este que pode estar repleto, em suas profundezas, de águas límpidas capazes de garantir nossa sobrevivência - ainda que dolorosa -, ou que pode apresentar um duro solo, nos levando a uma rápida passagem a outro plano.
Pois bem.
Esta semana o Senado Federal aprovou a primeira parte (!!!) da reforma tributária (referente aos tributos sobre o consumo), reforma aguardada desde que o mundo é mundo.
Esta semana, o Congresso Nacional foi capaz de avançar um pouco mais com uma proposição que não gera qualquer consenso, uma proposição desguarnecida de simulações e estudos de impacto sobre a mesma, uma proposição potencialmente suicida.
A proposta de emenda constitucional recebeu, durante seu trâmite na Câmara Alta, exatas 805 emendas. Emendas, em sua vasta maioria, propondo “ajustes setoriais”, exceções variadas e regimes diferenciados. Não há surpresa, uma vez que todos os
setores temem ser atingidos pelo maior Imposto sobre Valor Agregado do mundo. Era evidente que o lobby ocorreria. E não há absolutamente nada negativo a se falar de qualquer setor que buscou tratamento diferenciado na reforma, uma vez que a alíquota prevista para a exação (27,5%) configurava uma obscenidade. Com as concessões efetuadas pelo relator, a alíquota pode - e provavelmente irá - explodir.
Mais de 300 emendas foram acatadas no relatório e levadas a votação. O texto emendado foi aprovado com folga.
Agora, a matéria retorna à Câmara dos Deputados, onde será dada a palavra final. Nas próximas semanas, começará a possível queda do abismo e vislumbraremos, ao longe, nosso destino. Os Senadores optaram pelo duro solo e por nossa morte. Nos resta aguardar a escolha de nossos Deputados, e rezemos para que optem pela água.
Até.