A Ciência da Política
Data de publicação: 08 de setembro de 2023

Projeto de poder: o populismo como instrumento

Tullio Damin Da Sois

Chefe de Gabinete e Coordenador de Imprensa

Cientista Político



“O conceito de democracia é relativo para você e para mim.”

Luiz Inácio Lula da Silva, 2023.


A frase que inaugura este artigo foi proferida pelo atual Presidente de nossa República durante uma entrevista à Rádio Gaúcha, em 29 de junho deste ano, ao comentar sobre o regime político que vigora em um país vizinho ao nosso – uma tal de Venezuela.


Como qualquer ser humano com no mínimo um neurônio e ao menos algum resquício de honestidade de alma e intelecto sabe, os venezuelanos vivem sob um regime político socialista. Como o objetivo do presente texto não é explorar o regime político venezuelano, mas sim o que está presente nas entrelinhas da fala de Lula, somente me atenho a ressaltar que a Venezuela é atualmente comandada por Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez como líder da chamada Revolução Bolivariana, cujo auto declarado objetivo é o estabelecimento do “Socialismo do Século XXI” no país.


Creio que isso seja suficiente para firmar de forma inquestionável o caráter ideológico do regime político de nossos vizinhos e, por conseguinte, a causa das mazelas e barbaridades que assolam o povo venezuelano há mais de duas décadas.


De volta ao país no qual “o amor venceu”...


Lula relativizou e esvaziou o conceito de democracia porque, para ele, democracia é somente um processo de chegada ao governo: o processo eleitoral. Sendo limitada apenas a um mero processo de comparecimento periódico da população às urnas para a escolha de seus governantes, Lula é supostamente capaz de blindar o regime venezuelano das críticas de que este não mais é uma democracia. Afinal de contas, Maduro ainda conduz periodicamente processos eleitorais em seu país – mesmo que sob inúmeros e recorrentes indícios de fraude eleitoral, a prisão, tortura e exílio de opositores políticos, ou a boca do fuzil das milícias estatais armadas.


Todos esses aspectos claramente democráticos da Venezuela de Maduro (sim, contém ironia) não importam em absolutamente nada para Lula, pois no final das contas, a democracia para ele e para aqueles que acreditam e defendem a mesma ideologia que ele é somente um instrumento para se chegar ao poder. Então, não havendo valor algum a mais nela, aspectos fundamentais do conceito pleno passam a ser considerados como indesejáveis.


A alternância de poder, por exemplo, que resumidamente consiste na possibilidade de se perder uma eleição e ficar de fora do governo, não é desejável e nem aceitável pelo lulopetismo. Por quê? Pois isso atrapalha a estratégia de longo prazo de Lula e do Partido dos Trabalhadores e seus aliados – o que também explica a essência da nefasta narrativa de que o impeachment de Dilma Rousseff e a consequente retirada do PT do governo por este meio institucional é vendida como a narrativa do “golpe”. A saída do poder é tratada como uma espécie de tragédia pois ela interrompe a execução do projeto de poder, postergando a consecução do objetivo final estabelecido.


Negar que o objetivo é alguma forma de socialismo tupiniquim é, novamente, caso de internação psiquiátrica ou de profundo mau caratismo. Se a histórica participação em posição de liderança no Foro de São Paulo do PT e de Lula e a mais recente admissão de orgulho do Presidente em ser comunista na mais recente reunião da organização não bastassem, talvez uma simples leitura do estatuto e o conhecimento da nomenclatura das correntes internas do PT eliminem quaisquer dúvidas. Se não o fizerem, então não há salvação.


De volta à estratégia. Como o socialismo é, na verdade, a etapa remodeladora da do governo e, principalmente, da sociedade como um todo, necessária para a transição ao tão sonhado estado final comunista, a estratégia é a seguinte: perpetuar-se no governo pelo tempo que for necessário para aparelhar as instituições e controlar a sociedade.


Ou seja, o que o PT tem – e sempre teve – não é um plano de governo, mas sim um projeto de poder, um projeto de tomada do poder – como o próprio Zé Dirceu já confessou publicamente.


Mas como a época de violentos golpes de Estado já passou, e o fato de que ninguém no Brasil, nem mesmo o PT, tem força para aparelhar e controlar tudo numa tacada só, a estratégia deve necessariamente ser de longo prazo. E é por isso que ela depende fundamentalmente da perpetuação petista no governo central, no comando do país.


E é aí que entra o populismo do Lula e do PT (infelizmente a linha de raciocínio até aqui desenvolvida era peça essencial para que pudéssemos chegar ao instrumento enunciado no título deste artigo).


O populismo é um conceito com diversas interpretações teóricas, que aqui será entendido de forma (bem) resumida da seguinte maneira: uma forma de se fazer política, por meio de uma liderança carismática, em prol do estratos massificado e mais desfavorecido da população, o “povo”, supostamente encontrado em tal condição por conta da ação exploratória de alguma “elite”.


Essa massa esquecida e desfavorecida pelas elites do país obviamente tem no topo de suas prioridades a própria sobrevivência – o que acaba se traduzindo em necessidades políticas igualmente imediatistas. Neste contexto, o populismo serve à força política que o aplica como instrumento de geração de resultados de curto prazo.


No caso lulopetista, o populismo serve justamente para permitir a necessária perpetuação no poder, eleição após eleição, por meio do esgotamento de políticas prioritariamente focadas no atendimento de demandas imediatistas de uma grande massa empobrecida e sedenta pelo mais fino fio de esperança de sobrevivência. Assim, o populismo acaba por se tornar um instrumento indispensável para um partido com um projeto de poder socialista como o PT.


Como visto acima, todo populismo depende de uma grande liderança carismática de massas; e o PT supre esta necessidade com o próprio Lula, que cumpre tal papel há décadas. Ele, porém, está com idade avançada. O tempo está cada vez mais curto, e eles sabem disso.


E é justamente por conta dessa dependência da figura de Lula como líder de massas que se explica a surpreendente aceleração do processo de tomada de poder por meio de políticas populistas: caso ele morra, o projeto como um todo corre sério risco. O objetivo lulopetista é cada vez mais dar sobrevida ao projeto de poder, para isto usando o populismo como instrumento consolidador, de uma vez por todas, de uma massa fiel de eleitores que garanta a necessária perpetuação no poder.


A lógica para tal estratégia pode ser resumida na seguinte sequência de etapas: populismo, dependência, identificação, perpetuação. Segue a breve explicação de tal lógica.


Políticas populistas, principalmente aquelas focadas no assistencialismo e no forte investimento estatal – mas sem nos esquecermos das políticas de subsídios e benefícios para setores econômicos específicos – cria uma relação de dependência das massas (e setores beneficiados) quanto ao governo central.


A magnitude e a continuidade de tais políticas, com suas benesses vendidas e propagandeadas para os seus “alvos” por meio de verdadeiras e colossais operações de marketing, geram uma fortíssima forma de identificação política dos beneficiários aos seus benfeitores: Lula e o PT – algo que já ocorre desde a década de 2000, vale notar.


Por fim, essa identificação massificada acaba por se traduzir em fidelidade eleitoral, garantindo a perpetuação do partido no governo pelo tempo necessário para o aparelhamento das instituições e o controle da sociedade. Ou seja, pelo tempo necessário para a tomada do poder.


O objetivo é o socialismo; o populismo, um de seus principais instrumentos. Espero que, da próxima vez que o leitor ler ou ouvir algo sobre populismo, lembre-se de que o mesmo não se trata de mera incapacidade de conceber políticas públicas mais eficazes, mas sim de um instrumento sorrateiro de um plano consciente de mudança de regime.


No próximo artigo tratarei de aprofundar um pouco mais a lógica ideológica por trás do objetivo lulopetista: o socialismo. Até a próxima.