O caráter totalitário do socialismo (parte 1): a mentalidade revolucionária
Tullio Damin Da Sois
Chefe de Gabinete e Coordenador de Imprensa Cientista Político
Ao final de meu último artigo nesta coluna eu fiz uma promessa: aprofundar-me no elemento ideológico que reside fundamentalmente no rol de objetivos do projeto de poder lulopetista: o socialismo.
Antes disso, faço um aditivo a tal promessa: ao final deste artigo, que será subdividido em duas partes, pretendo esclarecer em linhas gerais e essenciais o motivo da extrema dificuldade de se extrair um pingo de bom senso e de honestidade intelectual na busca da melhor solução possível quando se entra na aventura épica de se debater com um socialista.
É necessária uma recapitulação extremamente sucinta do assunto de meu último artigo, que tratou do papel instrumental do populismo para o sucesso do projeto de poder socialista do lulopetismo, pois ela possui elementos auxiliares às linhas que se seguirão.
O populismo serve aos socialistas como um instrumento na medida em que cria uma lógica viciosa de dependência, identificação, e perpetuação. Políticas populistas geram uma relação de dependência material; tal condição é potencializada por meio da comunicação vinculativa das benesses recebidas aos políticos benfeitores, resultando num vínculo emocional forte e generalizado de identificação política; por fim, essa formação de uma memória afetiva politicamente direcionada produz resultados por meio da fidelidade eleitoral, garantindo a perpetuação do benfeitor no poder.
Essa almejada perpetuação no comando do país por parte de Lula e do PT fazem parte da silenciosa e sorrateira estratégia de longo prazo de aparelhamento das instituições e de controle da sociedade. O objetivo estratégico é a viabilização da mudança de regime em direção ao socialismo, o que por sua vez permitirá que se trilhe o caminho para o fim último: a transformação do conjunto total da sociedade segundo os moldes ideológicos do comunismo, o suposto estágio final das sociedades humanas – da humanidade em si.
E é precisamente esse elemento ideológico de transformação e de realização de um pretenso destino, o chamado ideal totalitário, que constitui o coração, o cerne, o núcleo, o pilar central de sustentação e sobrevivência da ideologia comunista de Karl Marx.
O não reconhecimento disso é um dos principais erros daqueles que se propõe a efetivamente enfrentar e derrotar os adeptos do Comunismo. Normalmente o foco das atenções reside no simplismo de acusações de corrupção e enriquecimento ilícito, ou do vício pelo poder e o desfrute dos privilégios que só ele é capaz de oferecer. E, geralmente, aqueles que são capazes de avançar um pouco mais na direção correta acabam se limitando à vitória teórica materialista, restrita ao campo econômico. Desde o início do século XX a viabilidade econômica do socialismo já foi vencida, trucidada. Isso, porém, não impediu de forma alguma o avanço e a sobrevivência dos regimes vermelhos por todo o mundo.
O elemento ideológico não diz respeito a questões materiais. Nunca foram e nunca serão encontradas respostas satisfatórias para o fenômeno da ideologia totalitária em fundamentos lógico-racionais. O que permite, e continuará permitindo, o seu devido entendimento diz respeito a questões abstratas, alcançadas pela análise de fundamentos psicológico-espirituais.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, talvez aquele que mais foi capaz de expressar o espírito materialista da modernidade, anunciou que “Deus estava morto”. A modernidade, com seu culto ao materialismo, buscou expulsar o elemento transcendente, espiritual da humanidade. Em certa medida, conseguiu. Mas ela e seus representantes nunca foram capazes de eliminar o “espaço da alma” que reside em cada ser humano. Esse elemento faz parte de nossa própria natureza, e não há nada que possa exterminá-lo. Mas a violenta expulsão do transcendente – do divino – empreendida pelo fundamentalismo materialista do racionalismo radical deixou um vazio a ser preenchido.
A necessidade espiritual humana, igualmente imanente aos perpetradores e às vítimas deste processo de “exorcismo”, acabou sendo suprida em tais indivíduos por diversas formas modernas, materialistas, portanto, de crença. E o produto que representa o ápice desse processo é justamente o produto totalitário. Gestadas no seio da modernidade e paridas em meio à revolta desta contra o espírito, as ideologias totalitárias são a representação de tal produto. No cerne do totalitarismo reside o seu caráter: a ideia de revolução.
Está aí o primeiro grande elemento da ideologia totalitária: o ideal revolucionário. E o que este representa em sua expressão concreta nos indivíduos seduzidos pelo canto totalitário foi exprimido com clareza ímpar pelo conceito de “mentalidade revolucionária”, cunhado pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho.
“Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”. Mas o tribunal da História é, por definição, a própria sociedade futura que esse indivíduo ou grupo diz representar no presente [...]
Assim, o intento revolucionário é por natureza totalitário por não se limitar somente à alteração de uma ordem ou situação política momentânea, mas sim buscar a remodelagem integral da sociedade, da cultura e até mesmo da espécie humana. E vale notar que essa autoridade auto conferida pelos comunistas e nazistas – os dois grandes exemplos históricos de ideologias revolucionárias totalitárias – não é encontrado de fato nas proposições do predomínio do proletariado ou da raça ariana, mas sim na utilização das mesmas como “mandamentos universais imbuídos da autoridade de refazer o mundo segundo o molde de uma hipotética perfeição futura”.
Aí está o caráter psicológico-espiritual que explica a servidão da mente e da alma ao ideal revolucionário de uma ideologia totalitária: o adepto crê portar a verdade sobre o destino da humanidade, o que lhe confere a autoridade política para (re)moldar o mundo segundo a sua própria verdade.
A mentalidade revolucionária explica a primeira parte torna evidente as duas principais peças principais do fenômeno totalitário. Ela responde ao “porquê” de um adepto de ideologia totalitária e de um regime deste tipo ter sido capaz – e ainda ser capaz – de cometer alguns dos crimes mais horríveis e brutais da História, e numa escala e magnitude nunca antes vistas. Com isso também fica claro o motivo da “dificuldade” de diálogo com um socialista, diálogo este que busque uma solução consensual e comprometida com o que é de fato correto e melhor para a sociedade. Afinal de contas, o nível de arrogância exigido de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos dotados da pretensa posse da “verdade” sobre os destinos da humanidade é dificilmente mensurável.
Por conta da densidade e extensão deste artigo, convido o leitor para acompanhar a segunda parte deste artigo, que estará disponível nesta mesma coluna na próxima sexta-feira, dia 22/09, e que tratará da segunda peça principal do fenômeno totalitário: o “como” tal crença totalitária foi formada.
Até breve.