A Ciência da Política
Data de publicação: 01 de setembro de 2023

Apresentando uma ferramenta para navegar em meio ao caos

Tullio Damin Da Sois

Chefe de Gabinete e Coordenador de Imprensa

Cientista Político


Democracia, Estado, populismo, direita e esquerda, fisiologismo, Estado de Direito, liberdade de expressão, Poder, autoritarismo, soberania. Estas são algumas das inúmeras palavras com as quais quem nutre certo apreço e interesse pela política frequentemente acaba se deparando.


Porém, se eventualmente for perguntado sobre o conceito de uma das mesmas para algum integrante dessa parcela voluntariamente politizada da sociedade, raramente será possível obter uma resposta realmente satisfatória. E não se engane, pois isso não se aplica somente à população em geral: considerável parcela das pessoas que se apresentam ao debate público como intelectualizados, cultos, também teriam certa dificuldade com esse tipo de conceito.


Entender as causas para isso não se trata de nenhum indecifrável enigma. Os conceitos utilizados neste texto como exemplo possuem uma natureza muito mais complexa, de conteúdo muito mais denso, do que uma reportagem de jornal, uma roda de debates no noticiário ou um vídeo nas redes sociais normalmente podem dar conta de abordar. Temas como esses vêm sendo alvo de livros, ensaios, artigos e reflexões que se arrastam não por anos, mas por gerações. Não por décadas, mas por séculos e até milênios.


Tratar com superficialidade qualquer coisa já torna débil o debate em torno dessa mesma coisa. Então, é evidente que tratar com superficialidade algo que carrega tamanha densidade prejudica em igual proporção a qualidade de um debate acerca de um assunto dessa natureza. 


A instantaneidade característica de nossos tempos acentua o fenômeno da baixa qualidade do debate. O tempo corre, voa, e tudo tem que ser para já. Tudo deve ser capaz de prender a atenção em questão de segundos, pois o risco de perda de audiência está ao clique de um botão ou ao arrastar de uma tela. A modernidade é líquida, é instantânea – e cada vez mais. Isso é incontestável e irrefreável. É um dado da realidade com o qual temos de aprender a lidar.


Além disso, essa velocidade da vida contemporânea somente tende a acentuar um outro dado da realidade, igualmente incontestável: a maior parte das pessoas não possui interesse, e muito menos possui tempo, para prestar a devida atenção no mundo político e aprofundar-se nele.


A rotina de vida da gigantesca maioria da população é ocupada com suas necessidades mais básicas, fundamentais ou imediatas. De forma simplificada: o trabalho, incluído aí o deslocamento até o mesmo, assim como os estudos para o aprimoramento profissional; os deveres afetivos da família e dos amigos, como buscar os filhos na escola, cuidar dos avós e jantar com um casal de amigos; a fé, com seus deveres espirituais e materiais praticamente diários. É perfeitamente normal, portanto, que o interesse da maior parte da população resida em sua família, seu trabalho, seus amigos, sua fé e, ao fim e ao cabo, em seu lazer – aqueles momentos nos quais os deveres, os problemas e a correria do dia-a-dia dão lugar ao descanso e à liberdade de escolha do que fazer.


Demandar que o cidadão comum, sob todo esse contexto e circunstâncias, dedique tempo e energia ao esforço intelectual e moral do estudo e compreensão da política e suas áreas correlatas, portanto, é uma fantasia, um descolamento da realidade. Adicione-se a isso o fato de que este cidadão que, em muitas das poucas vezes com as quais tem algum contato com informações do mundo político, depara-se com absurdos casos de corrupção, resultados fracassados de políticas públicas e promessas vazias, torna-se perfeitamente compreensível a sua falta de interesse pela política.


A maior parte da sociedade – e até mesmo considerável parcela dos politizados e ditos intelectualizados – acaba tendo contato com a política exclusiva ou majoritariamente através de recortes da realidade, de reações e opiniões emocionadas emitidas em função de conteúdos absorvidos pela mesma forma, de palavras e frases prontas automaticamente reproduzidas e repetidas, e muitas vezes desprovidas de seu real sentido – seja por falta de conhecimento ou pela ação intencional e cínica de alguns atores políticos.


Portanto, esperar que o debate público em torno dos temas políticos escape a esse conjunto de circunstâncias é, no mínimo, uma ingenuidade. Assim, a baixa qualidade do debate de ideias e fatos políticos no Brasil, mesmo após a recente onda de politização da sociedade iniciada a partir do início da década passada, não é algo solto e incompreensível. Pelo contrário: é mais um sólido e facilmente perceptível aspecto da realidade da qual fazemos parte.


O aprimoramento da qualidade do debate público brasileiro não é uma tarefa fácil e, tendo em vista as circunstâncias apresentadas, fica evidente a limitação de tal empreitada. Muito disso passa pelo resgate da alta cultura no país (um longo e profundo debate que não cabe a este artigo). Felizmente já existem forças em nossa sociedade que agiram e agem neste sentido, movidas pela ação determinada de algumas pessoas, seja individualmente ou por meio de instituições.


Mas, para além dessas forças, definitivamente há espaço para esforços mais modestos. Este artigo, por exemplo, propõe-se justamente a ser isso. Até aqui, a proposta desta coluna foi buscar uma forma de ajudar aqueles que se dispuserem a abrir os seus olhos para a necessidade do aprimoramento do debate público por meio do aprimoramento intelectual de forma individual. Trata-se de uma postura de humildade perante a complexidade da realidade, que demanda um sério e perseverante compromisso com a verdade.


E é com base nesse compromisso que firmo o propósito desta coluna a partir de agora: por meio da Ciência Política e suas áreas correlatas, tentar situar o leitor de uma forma mais adequada dentro do debate político público. A ideia é buscar dar aos meus leitores ferramentas que ajudem na orientação em meio à confusão do mar de fatos e narrativas no qual inescapavelmente navegamos – e continuaremos a navegar.


Já há comentaristas de manchetes em excesso neste país, e minha intenção aqui não é de forma alguma fazer parte deste grupo. Me recuso a ficar refém da normalidade do debate público, de ficar ao sabor das manchetes e à mercê dos noticiários. Não que não ocorram acontecimentos relevantes que mereçam ser comentados. Mas infelizmente o material que monopoliza o debate político acaba servindo muito mais para fisgar interessados e ganhar likes, ou simplesmente para - na falta de criatividade ou de capacidade para se abordar algum assunto com a profundidade um pouco maior do que a de um pires - “encher linguiça”.


A ideia proposta por esta coluna é trazer um pouco mais da ciência por trás da política para o debate público acerca do tema – e é por isso que para intitular esta coluna, peço licença e pego emprestado o título do excelente livro de Adriano Gianturco, cientista político ítalo-brasileiro. E como farei o proposto? É simples: buscarei compartilhar alguns conteúdos um pouco mais densos acerca de conceitos da Ciência Política e áreas correlatas que sirvam aos meus leitores como ferramentas de melhor orientação e compreensão da realidade que os cerca – e que constantemente bate às suas portas por meio de jornais, noticiários e redes sociais.


Apesar da extensão deste texto, o compromisso desta coluna não será com o número de caracteres, nem com a quantidade de dados e de citações, e nem com uma estilística rebuscada e pomposa como forma de aparentar alguma forma de superioridade intelectual.


Comprometo-me a ter como base o respeito à nossa belíssima língua portuguesa e, acima de tudo, com a qualidade, a clareza, a concisão e a simplicidade dos conteúdos e conceitos a serem abordados.


Aos que permaneceram até o fim, meu muito obrigado. Prometo não estender-me desta forma nos próximos artigos, a não ser que isso seja extremamente necessário, como o foi neste caso específico de apresentação da coluna.


Até breve.