A(cerca) da humildade
Tullio Damin Da Sois
Chefe de Gabinete
Cientista Político
“Sempre que você remover qualquer cerca, faça uma pausa longa o suficiente para perguntar o por que ela foi colocada lá em primeiro lugar.”
G. K. Chesterton
A citação acima pertence a Gilbert Keith Chesterton, autor, filósofo, crítico literário e de arte e apologista cristão inglês que habitou as Ilhas Britânicas ao final da Era Vitoriana e início do Século XX.
Forte crítico do espírito moderno e contemporâneo, Chesterton cunhou um princípio filosófico especificamente voltado à crítica – e possivelmente como uma tentativa de sensibilização – do homem moderno, este imbuído do espírito progressista e revolucionário de ímpeto destruidor de tudo aquilo que o precedeu. “Cerca de Chesterton” é o termo pelo qual chamamos tal princípio, exemplificado na frase inaugural do presente texto.
Caracterizada por rápidas e sucessivas transformações, nossa época muito comumente dota os homens e mulheres que vagam pelo mundo nestes dias de um estado de espírito que anseia constantemente por mudanças; que percebe as coisas que não são novas como meramente ultrapassadas. Cada vez mais, cada nova geração compreende a si mesma como estando à frente das suas antecessoras, estas paradas no tempo ou incapazes de acompanhar o frenético ritmo do progresso da humanidade.
A reflexão de Chesterton aborda justamente tal estado de espírito por meio da sua analogia da cerca, presente em seu livro de 1929, The Thing: Por que eu sou Católico:
"Em matéria de reformar as coisas, em contraposição a deformá-las, existe um princípio simples; um princípio que provavelmente será chamado de paradoxo. Existe, nesse caso, uma determinada instituição ou lei; digamos, por uma questão de simplicidade, uma cerca ou um portão erguido em uma estrada. O tipo mais moderno de reformador vai alegremente até lá e diz: "Não vejo o uso disso, deixe-me retirá-lo". Para o qual o tipo de reformador mais inteligente fará bem em responder: "Se você não vê a sua utilidade, certamente não o deixarei retirá-lo. Vá-se embora e pense. Então, quando você puder voltar e dizer-me que percebe o uso dele, eu poderei permitir que você o retire."
De forma muitíssimo sintética, o princípio da “cerca de Chesterton” meramente quer dizer que as coisas não devem ser alteradas, reformadas ou até mesmo eliminadas até que se faça uma boa reflexão a respeito do raciocínio por trás das mesmas, até que se compreenda satisfatoriamente os motivos pelos quais tais coisas surgiram, são e ali estão. É, portanto, claramente um princípio fundamentado numa atitude de prudência, humildade e bom senso.
A regra parece ter um caráter universal. No entanto, a reflexão trazida por Chesterton aponta de forma especial a uma direção específica: à compreensão das instituições, crenças, tradições e costumes estabelecidos por nossos antepassados. Da mesma forma, o recado é claro e possui um alvo específico: “homem moderno, não destrua aquilo que você não entende!”
A sabedoria contida no princípio também é claríssima. Se não formos capazes de compreender as razões da existência e os propósitos daquilo que foi construído a tantas mãos e por tanto tempo por aqueles que nos precederam e, por conseguinte, procedermos imediatamente ao seu descarte, estaremos ignorando um princípio basilar de avaliação das possíveis consequências de nossos atos – consequências essas que podem vir a ser muito piores do que os eventuais problemas identificados naquilo que pretendemos reformar ou eliminar.
Uma cerca em meio a um campo não foi construída por nada. Ela pode estar servindo como uma barreira contra a sujeira ou para separar os rebanhos dos vizinhos. Pode estar lá para separar um rebanho de vacas de um rebanho de ovelhas, já que estas últimas, ao se alimentarem do pasto o arrancam quase que pela raiz, enquanto as primeiras precisam de pasto alto para se alimentar. Remova a cerca, e as vacas podem até mesmo morrer de fome. Ainda, demos um pequeno passo adiante – ou para cima – na questão da cerca: imaginemos um muro. Assim como a cerca, um muro também não é erguido sem motivos. Normalmente sua função é a de proteção contra um possível agressor.
A moral da história é muito simples: as nossas instituições, crenças, tradições e costumes não brotaram magicamente da terra, assim como cercas também não o fazem. Tais coisas são produtos da ação humana; são resultado das interações e atividades construtivas humanas. Possuem, portanto, razões de ser e de existir, necessidades a atender e propósitos aos quais atender.
Infelizmente, um princípio tão simples como este da “cerca de Chesterton” é cada vez mais necessário em nossos tempos, pois, como o próprio inglês já alertava em seu tempo, “Chegará o dia em que teremos que provar ao mundo que a grama é verde.”
Senhoras e senhores, leitores e leitoras: muito infelizmente este dia já chegou. O maior exemplo disso é que chegamos ao ponto no qual homens com pênis (mutilado ou não) afirmam categoricamente serem mulheres, e vice-versa. Chegamos ao ponto no qual seres humanos identificam-se como lobos, gatos, cachorros, ovelhas e infinitos outros animais. Chegamos ao ponto no qual pessoas casam-se com objetos como travesseiros. Chegamos ao ponto no qual as possibilidades de identificação e orientação sexual são tão variadas quanto as possibilidades de se ganhar numa loteria.
A que ponto chegamos, senhoras e senhores…
Repito: o maior exemplo dessa maluquice toda que deforma a percepção de realidade de tantos e tantos e, por fim, acaba por deformar a própria realidade é a negação da configuração mais basilar de toda a vida no Planeta Terra, e não somente a humana: a categoria natural do sexo, a oposição complementear basilar do masculino e do feminino.
Uma configuração nada mais é do que a forma dada a alguma coisa ou tomada por ela e que a define e caracteriza como tal; é a forma resultante do arranjo de suas próprias partes e características integrantes. O caso do sexo não é um mistério filosófico ou teológico, é uma questão mera e simplesmente biológica – é a ciência da vida, dos seres vivos, em sua representação mais basilar e pura.
A nossa categorização enquanto seres humanos entre masculino e feminino não é resultado de uma uma construção opressora do patriarcado, do cristianismo, do capitalismo, ou seja lá qual for o culpado segundo a concepção revolucionária de tal categoria.
A configuração típica de sexo é um produto de um BILHÃO (sim, BILHÃO) de anos de evolução da vida na Terra – um tempo levemente mais longo do que a própria existência do homo sapiens. Além disso, as configurações de paternidade típicas não somente de nós, seres humanos, mas de nossa subclasse de animais vertebrados, os Mamíferos, possuem pelo menos 200 MILHÕES de anos. Sim, as categorias de pai, mãe e prole também são um pouquinho mais velhas do que a nossa espécie, a qual, segundo os cientistas, possui cerca de 300 MIL anos de existência. Como bem afirma o psicólogo clínico e pensador canadense Jordan Peterson, as categorias de sexo e paternidade dos seres humanos simplesmente são “categorias naturais, profundamente integradas a nossas estruturas perceptivas, emocionais e motivacionais.” (PETERSON, 2018, p. 39)
Dessa forma, essas categorias não são nada mais e nada menos do que a própria estrutura da realidade, o produto próprio da evolução da vida, resultante não de milhares, nem de centenas de milhares de anos, mas de milhões, de centenas de milhões – e até de um bilhão de anos! Isso é a representação mais pura do princípio da permanência, a característica típica da própria ordem natural das coisas (leia o meu artigo de 27/10/2023 para entender melhor o conceito, caso ache necessário). É permanência na veia – ou, melhor ainda, no DNA. E, assim como o DNA, elas são o nosso próprio conjunto de dados e informações, a nossa base de características a serem reproduzidas, desenvolvidas e mantidas.
Simplesmente não há como ser mais claro do que isso.
Nós evoluímos segundo o mundo das categorias de sexo e paternidade, o mundo social pré-humano. Essas configurações e categorias estão impressas em nossos cérebros e códigos genéticos. Elas são parte de nós.
E é justamente por isso que é tão imensamente perigoso o trabalho revolucionário de alteração e destruição das configurações básicas de sexo e paternidade. Ninguém deve brincar de Deus. Jamais.
A “cerca de Chesterton” não representa de forma alguma uma trava, um bloqueio à mudança, adaptação e reforma de nossas instituições, crenças, tradições e costumes. O que ela representa é, na verdade, um chamado à humildade. Um chamado à necessidade que temos de analisar e compreender as coisas antes de iniciarmos um processo de mudanças ou de destruição daquilo que não entendemos – ou daquilo que achamos que entendemos.
Faço votos que adotemos o princípio da “cerca de Chesterton” em sinal de humildade, em respeito à prudência e ao bom senso.
E faço votos que possamos transmitir tal sabedoria para o máximo de pessoas possível.